Dodô Calixto (em destaque à direita)
relembra sua história no educom.rádio

Durante a Aula Ômega (última do ano), os alunos da Licenciatura em Educomunicação receberam, no dia 16 de dezembro, a visita de Douglas Calixto, jovem de 25 anos. Em sua adolescência, participou do Educom.rádio, programa que levou a prática educomunicativa para as escolas da prefeitura de São Paulo entre 2001 e 2004.

Recém aprovado no programa de mestrado em Ciências da Comunicação, Douglas relatou sua história: “Não sei se a ECA-USP ou a Prefeitura de SP tinham noção da dimensão do Educom.rádio. Nós jovens da periferia de SP estávamos acostumados a ser silenciados. Economicamente silenciados. Socialmente silenciados. Culturalmente silenciados… A oportunidade de se expressar, de poder opinar e “ter voz” na frente de todos foi sem dúvida muito marcante para mim. E lembro que foi marcante para todos. Lembro de lágrimas nos olhos de alguns colegas em algumas dinâmicas”.

Veja, na íntegra, a apresentação de Douglas Calixto:

Sou natural do bairro de Lajeado, na divisa entre Itaquera e Guaianases, no extremo leste de São Paulo. Lá ganhei o apelido de “Dodô”, que faço questão de carregar em qualquer lugar que vou como forma de registrar minhas origens.

Estudei a minha vida inteira em escola pública. Da 1ª a 8ª série estudei em escolas municipais. Primeiro na EMEF Dr. João Augusto Breves e depois na EMEF Assad Abdalla.

Em 2002, os professores e a coordenadora pedagógica me convidaram para participar de “um projeto para criar uma rádio na escola”. Aliás, esta é a primeira lembrança que tenho do Educom.Rádio: “ter uma rádio na escola”. No começo, lembro que não gostei muito da proposta. Afinal, sábado era – e sempre foi – o dia oficial do futebol em Itaquera. Ficar por tantos sábados sem jogar bola, era algo inimaginável na época.

Convencido, pela minha mãe e alguns professores, resolvi ir ao primeiro encontro do Educom. E, desde então, passados 12 anos (agora em 2014), nunca mais sai da educomunicação.

Minhas memórias do Educom.Rádio são muito mais compostas por sensações, lembranças, sentimentos, etc do que de memórias “concretas”, ou seja, do que era feito exatamente, das experiências, oficinas. Afinal, eu tinha 12 anos e era muito jovem. Porém, existem alguns pontos do que aconteceram lá que foram e ainda hoje são muito marcantes para mim. Me lembro, por exemplo, do primeiro ou segundo encontro. Todos sentados no chão, em roda, para contar de onde éramos, o que fazíamos. Professores, monitores, alunos e alguns membros da comunidade escolar: todos ocupando o mesmo espaço. Lembro-me do silêncio de nós – alunos – naquela situação.

Não era normal para nós, oriundos da periferia, ´ter voz´. Geralmente, era sentar no banco e ficar em silêncio. Falar ou conversar eram sempre passíveis de bronca ou do ´fique em silêncio´. Não sei, inclusive, se a ECA-USP ou a Prefeitura de SP tinham noção da dimensão disso na época. Nós jovens da periferia de SP estávamos acostumados a ser silenciados. Economicamente silenciados. Socialmente silenciados. Culturalmente silenciados.

A oportunidade de se expressar, de poder opinar e “ter voz” na frente de todos foi sem dúvida muito marcante para mim. E lembro que foi marcante para todos. Lembro de lágrimas nos olhos de alguns colegas em algumas dinâmicas. Claro que também me lembro das oficinas de produção de jingles, spots e vinhetas. Do manuseio dos gravadores, dos aparelhos de som.
Tudo era feito de forma conjunta. Em poucas oportunidades fazíamos atividades de forma individual.

Outra marca do Educom: ´fazer junto é muito melhor que sozinho´. A produção conjunta em parceria com colegas de outras escolas, trocas de experiências, as brincadeiras: foram sábados muito intensos.

Graças a esse conjunto de sensações e experiências do Educom.Rádio que minha vida mudou para sempre. Claro que são muitos fatores que, de forma complexa, se articulam e formam quem nós somos – como indivíduos e cidadãos. Mas o Educom foi um pedaço especial para mim, pois, ao final da experiência aos sábados, acabei decidindo – aos 12/13 anos – que seria jornalista.

E assim foi. Em 2008, fui aprovado no vestibular para jornalismo para Unesp. E de lá para cá, mergulhei numa outra perspectiva da comunicação. Do poder transformador da comunicação. Com a experiência do Educom, anos depois na universidade, sempre parti da ideia da comunicação como colaboração, como participação social, como expressão popular.

Nesse eixo, aprofundei os estudos, investindo na pesquisa sobre democratização do conhecimento por meio da comunicação. Apesar da marca forte do rádio na minha carreira, acabei focando minha experiência profissional na cultura digital, sobretudo na internet, redes sociais e afins.

Fui bolsista do projeto Rádio Unesp Virtual, Web TV da Unesp. Em 2010, eu fiz parte do projeto Mais Educação do governo federal. Eu era monitor das atividades de jornal escolar e educomunicação nas escolas públicas na periferia de Bauru. Trabalhei quase 8 meses nesse projeto antes de aceitar a vaga para ser jornalista na Rede Bom Dia de Comunicação, onde fui repórter de ‘cotidiano’. Já no fim da minha experiência na Unesp, recebi uma proposta para jogar e fazer faculdade nos EUA.

Por lá, como estudante do curso de Comunicação Visual – Graphic Design – foram 1 ano e 8 meses como atleta universitário. De lá, fiz alguns projetos como correspondente nas eleições presidenciais dos EUA em 2012. Numa perspectiva colaborativa da comunicação (se atentem para as marcas do Educom nisso), desenvolvi o projeto experimental: Americanismos – a perspectiva social das eleições nos EUA. A ideia era discutir o pleito eleitoral entre Obama e Romney a partir das pessoas, do contato humano, etc.

Esse projeto foi apresentado como trabalho de conclusão do meu curso de jornalismo na Unesp. Foi a primeira banca de TCC da história do curso a ser apresentada por videoconferência. Eu nos EUA e a banca aqui no Brasil.

Voltei no final de 2012 ao Brasil. Desde então, entre idas e vindas, fui contrato como repórter e redator do portal Opera Mundi que é o maior portal de notícias internacionais do Brasil. E foi por aqui que consegui desenvolver o voo mais alto em projetos de educomunicação.

Sou criador e editor do projeto Aula Pública Opera Mundi: Comunicação Como Agente da Democratização do Conhecimento nas Relações Internacionais. Fugindo do eixo emissor-receptor, o projeto tenta discutir como a colaboração, participação social e interação nas redes sociais podem oferecer possibilidades de democratização do conhecimento.

Enfim, é difícil falar sobre a vida ou sobre a trajetória pessoal. Algumas coisas passam ou deixam de ser lembradas. Porém, acho importante superar um pouco da timidez e compartilhar minha experiência, pois tudo começou com o Educom. O Educom me despertou para o protagonismo. Para a perspectiva de que eu tenho voz e me posso fazer ouvir. De que é possível sair da periferia de SP e fazer mudanças.

E, nessa utopia de acreditar que o que foi feito por mim pode ser expandido para mais pessoas, cheguei naquele que é o degrau mais significativo da minha vida: ser aprovado no processo seletivo para o mestrado em Ciências da Comunicação na ECA-USP. E quem diria. Meu projeto de pesquisa é sobre educomunicação.

Tenho 25 anos. Foi uma caminhada muito longa e intensa para chegar nesse momento. O sentimento, todavia, é de ´só estamos no começo´. Precisamos avançar. Para que trajetórias como a minha não sejam exceção: elas precisam ser regra”, finalizou.

Veja, aqui, alguns para o projeto projeto Aula Pública Opera Mundi: