O biênio 2018/2019 será lembrado como um período fértil para a pesquisa e extensão na área da Educomunicação, muito por conta das atividades de intercâmbio acadêmico entre Brasil e Portugal com as quais a ABPEducom contribuiu.

A primeira atividade no período foi o Congresso Internacional “Literacias, Mídia e Informação”, promovido nos dias 24 e 25 de maio de 2018, na Universidade de Coimbra, com o apoio do Instituto Palavra Aberta, sob a coordenação de Isabel Ferin Cunha e Patrícia Blanco. Na ocasião, os professores Ismar Soares (presidente da ABPEducom) e Cristina Costa, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), coordenaram um painel sobre práticas educomunicativas. Soares também apresentou o artigo “A Educomunicação no contexto do movimento em torno às literacias midiáticas e informacionais: a experiência brasileira”.

De lá pra cá, os intercâmbios têm sido favorecidos pelo fato de a ABPEducom contar, dentre seus associados, com uma especialista de nacionalidade portuguesa, a professora Maria José Brites, da Universidade Lusófona do Porto. A proximidade entre os pesquisadores dos dois países foi fortalecida em novembro de 2018, com a presença no Brasil do professor Manuel Pinto, da Universidade do Minho (UMinho), que participou ativamente do II Congresso Internacional sobre Comunicação e Educação, promovido pela ABPEducom e pelo Núcleo de Comunicação e Educação (NCE/USP), na ECA. A vinda de Pinto ao país também contemplou com uma visita ao projeto Educom.GeraçãoCidadã e uma entrevista para a Revista Comunicação e Educação.

Devem ser lembrados, no fortalecimento deste intercâmbio, os estudos de pós-graduação de três associados da ABPEducom: Rosane Rosa, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que realizou seu pós-doutorado na Universidade de Coimbra, em 2018; Cristiane Parente, coordenadora do Núcleo de Educomunicação do Distrito Federal; e Rafael Gué Martini, professor da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Os dois últimos defenderam seus doutorados em 2019, na UMinho. A presença desses pesquisadores em Portugal tem uma importância para além das respectivas teses, uma vez que há um número significativo de atividades de pesquisa e estudo realizadas no período, o que faz da Educomunicação uma das “Epistemologias do Sul”.

Educomunicação e a “Epistemologia do Sul”

A pesquisadora Rosane Rosa, primeira vice-presidente da ABPEducom (2012-2015), foi orientada em seu estágio de pós-doutorado pelo professor Boaventura de Sousa Santos, catedrático da Universidade de Coimbra reconhecido pelos seus trabalhos envolvendo epistemologias do Sul Global. Rosa apresentou seu trabalho final em junho de 2018, em um seminário intitulado “A educomunicação como uma epistemologia do sul: possibilidades emancipatórias”. 

Além da pesquisa, Rosa também se destaca por sua presença ativa em eventos destinados a debater a Educomunicação como novo paradigma de conhecimento. Ela e Rafael Gué Martini foram responsáveis por um encontro entre Sousa Santos e Ismar Soares na cidade de Coimbra em maio de 2018, durante um evento sobre educação midiática, ocasião em que Boaventura reafirmou sua percepção de que a Educomunicação poderia ser considera, efetivamente, uma das “Epistemologias do Sul”.

Para Sousa Santos, as “Epistemologias do Sul” representam uma alternativa ao paradigma epistemológico ocidental moderno. Nessa linha, elas se referem especificamente à produção e validação de conhecimentos ligados às experiências de resistência dos povos historicamente injustiçados pelos colonizadores do Norte. No caso, a Educomunicação passa a ser legitimada não apenas como um campo emergente na interface Comunicação e Educação, mas como um eixo teórico que oferece sustentação a uma nova visão do processo comunicativo em termos globais. 

Em 2019, Rosa voltou a Portugal a convite da Universidade do Minho para apresentar ao Programa de Doutorado “Aprendizagem Enriquecida com Tecnologia e Desafios Societais” o seminário “Os desafios Emancipatórios da Educomunicação em um Cenário de Desinformação”. No mesmo período, integrou a banca de defesa de doutorado do colega Martini.

Rosane Rosa, Paula Machava e Célia Amorim em Seminário na Universidade de Coimbra

No mesmo período, a pesquisadora participou, no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, do I Colóquio de Integração Internacional do Sul Global, promovido pela Associação Internacional de Ciências Sociais e Humanas, ministrando o seminário “Epistemologias e Experiências Comunicativas do Sul (Brasil-Moçambique)”, juntamente com as pesquisadoras Paula Machava, da Universidade Lúrio (Moçambique), e Celia Amorin, da Universidade Federal do Pará. A associada da ABPEducom também apresentou o trabalho “Educomunicação e Desinformação” no Congresso Internacional “Palavras traiçoeiras: notícias falsas, censura e o indizível”, da Universidade de Aveiro.

Literacia midiática e Educomunicação

Cristiane Parente, sócia-fundadora da ABPEducom, defendeu sua tese de doutorado em Ciências da Comunicação no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) da UMinho em julho de 2019. A pesquisa contou com a orientação do professor Manuel Pinto, pesquisador da área de “educação para os media” e responsável pela equipe portuguesa que participou no projeto europeu Emedus (European Media Literacy Education Study), financiado pela Comissão Europeia. Parente foi também conferencista durante o II Congresso Internacional de Comunicação e Educação.

A tese da pesquisadora, “Observatório de media e imprensa – Espaços de participação e literacia mediática em Portugal e no Brasil”, aborda a existência de observatórios como forma de participação cidadã cada vez mais frequente no mundo. O estudo revela os perfis, os denominadores comuns e as melhores ações de literacia midiática e Educomunicação dos observatórios encontrados, além de sugerir caminhos para sua valorização e aperfeiçoamento, bem como o estímulo ao surgimento de novas experiências. 

Cristiane Parente (ao centro) em sua defesa de doutorado na UMinho. Membros da banca da esq. para dir.: Cristina Ponte, Sara Pereira, Manuel Pinto, Moisés Martins, Maria José Brites e Joaquim Fidalgo

A educomunicadora segue como investigadora do CECS e é uma das formadoras do Observatório sobre Media, Informação e Literacia (Milobs). Ela também é membro do Educom.Jor, grupo de estudo da Universidade Estadual do Mato Grosso (Unemat), coordenado pela sócia-fundadora da ABPEducom, Antônia Alves, e que, a partir deste ano, estará integrada à Passeio, uma plataforma de arte e cultura urbana do CECS/UMinho. Sob a coordenação das professoras Zara Pinto Coelho e Helena Pires, a Passeio busca compartilhar um olhar educomunicativo sobre as cidades, espaços, arte urbana, arquitetura e as narrativas. Em Brasília, Parente também coordena o Núcleo de Educomunicação do DF, comunidade que reúne pesquisadores, profissionais e interessados na área

Educomunicador como agente de integração

Membro do atual Conselho Consultivo Deliberativo da ABPEducom, Rafael Gué Martini realizou seu Doutorado em Ciências da Educação no Instituto de Educação da UMinho, na especialidade de Tecnologia Educativa, sob a orientação do professor Bento Silva, reconhecido por seu trabalho na definição da Comunicação Educativa. A tese de Martini, defendida em Braga em outubro de 2019, teve como título “Educomunicador como agente de integração das tecnologias de informação e comunicação na escola”. 

Ao centro: Rafael após a defesa de tese de doutorado na UMinho. Da esq. para dir.: membros da banca Joaquim Jacinto Escola, Rosane Rosa, Ariana Cosme, Licínio Lima, Bento Silva, Lia Raquel Oliveira e Maria Altina Ramos

O pesquisador realizou um estudo de caso qualitativo do “Programa de Extensão Educom.Cine: Participação e Cidadania”, que ofertou oficinas de produção audiovisual para uma equipe formada por voluntários de organizações locais e estudantes do 6˚ ao 9˚ ano de uma escola municipal de Florianópolis. A tese apresenta uma discussão teórica sobre a epistemologia da Educomunicação, problematizada a partir de revisões bibliográficas feitas no campo da Educação e da Comunicação. O autor leva em conta os diversos fragmentos que encontra na literatura, somados aos seus 14 anos de experiência como educomunicador, articulando propostas mais abrangentes para a área.

Essa análise teórica orientou o estudo das Práticas Pedagógicas Educomunicativas (PPE) identificadas no caso em questão. As PPE e seus princípios foram definidos pelo grupo de pesquisa Educom Floripa, da Udesc, ao qual Martini é filiado. Sua dedicação a este tema auxilia o estabelecimento de conexões do conceito com as áreas de intervenção da Educomunicação, além de aproximar as perspectivas discutidas nos campos da Educação e da Comunicação para uma convergência.

A tese buscou entender a integração das agências de formação midiática, tecnológica e sociocomunitária nos espaços institucionais educativos. Para se chegar a possíveis resposta para a questão, foram analisados os dados de dois grupos focais com nove estudantes e 15 entrevistas com profissionais envolvidos no programa. Os resultados apontam como papel central das PPE para a emancipação dos estudantes, que seriam os elos fundamentais de articulação das diversas agências de formação na escola. Outro papel seria a gestão de redes e canais que abram espaço e deem voz aos atores sociais que, no contexto local, concebem práticas e produzem conhecimento. Ao desenvolver o perfil de educomunicador, o estudante passaria a ser co-responsável pela sustentabilidade do ecossistema educomunicativo da escola, por meio do uso das diversas tecnologias de informação e comunicação nos processos de aprendizagem.

Semeadura

Com suas pesquisas, os associados ampliaram o conhecimento sobre a Educomunicação brasileira em diferentes áreas científicas de Portugal. Deixaram por lá as “sementes” para novos trabalhos e parcerias com potencial para ampliar a colaboração bilateral entre os dois países. Uma colaboração que é sempre muito bem-vinda, segundo o presidente da ABPEducom Ismar Soares, tanto pela qualidade das pesquisas realizadas quanto pelo diálogo iniciado com o professor Boaventura de Sousa Santos em torno da natureza epistemológica do próprio fenômeno da Educomunicação. “Nossos horizontes foram ampliados”, ressalta Soares. 

Imagens: arquivo pessoal

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